“A situação é alarmante: apenas seis banheiros para 2 mil trabalhadores.” Assim descreve o coordenador de um movimento de defesa dos direitos dos trabalhadores, ao relatar as condições no canteiro de obras da montadora em Camaçari (BA). Um ano após o resgate de operários chineses que estavam em condições análogas à escravidão, as denúncias sobre falta de infraestrutura básica reacendem o debate sobre as mudanças realizadas desde o escândalo que paralisou a construção no final de 2024.
O caso ganhou destaque internacional quando autoridades brasileiras identificaram os operários como vítimas de tráfico de pessoas. Imagens mostravam alojamentos superlotados, com camas sem colchões, e os relatos indicavam jornadas extenuantes, muitas vezes de sete dias por semana, em condições categorizadas como “degradantes”.
No final de 2024, uma força-tarefa multidisciplinar resgatou 163 trabalhadores nessas condições. Após novas inspeções, este número aumentou para 220, configurando um dos maiores resgates desse tipo no Brasil até então.
Em 2025, a montadora foi autuada por submeter parte dos trabalhadores a condições análogas à escravidão e por trazer 471 chineses ao país de forma irregular, resultando em mais de 60 infrações registradas. O Ministério Público do Trabalho também entrou com uma ação civil pedindo indenizações que somam R$ 257 milhões.
Protestos e novas reclamações
Em dezembro de 2025, novas denúncias sobre a precariedade nas obras surgiram, culminando em um protesto na entrada da fábrica. Trabalhadores de várias terceirizadas se reuniram para reivindicar melhorias nas condições de trabalho, apresentando uma lista com 11 exigências.
As principais demandas incluem:
- Pagamento de 30% de adicional de insalubridade;
- Mais banheiros químicos e manutenção adequada;
- Fim do assédio moral e ameaças de demissão;
- Aumento do auxílio-alimentação e do auxílio-transporte;
- Instalação de bebedouros;
- Construção de vestiários e banheiros permanentes;
- Condição adequada para fumódromos;
- Cumprimento rigoroso de pagamentos salariais;
- Implantação de plano de cargos e salários;
- Mais transporte para deslocamento;
- Plano de saúde que inclua dependentes.
Um dos trabalhadores, Marcus Vinicius, expressa indignação pelas condições encontradas. Ele menciona a dificuldade no acesso a banheiros e a falta de estrutura nos refeitórios, que muitas vezes não suportam a quantidade de funcionários. O tempo gasto para se deslocar entre o canteiro e as áreas de alimentação também é um problema significativo para os operários.
“A situação da fábrica é muito precária”, afirma. Ele destaca a falta de mão de obra adequada, o que leva a um desbalanceamento nas tarefas e, frequentemente, a sobrecarga de trabalho.
Marcus relata ainda dificuldades com equipamentos de proteção e um fornecimento inadequado de água, frequentemente quente e sem condições de uso. Por outro lado, o relato de Ramon Marques reforça a reclamação em relação aos banheiros e ao acesso à água potável, que também é citado como um problema recorrente.
Repercussões das denúncias
Às queixas atuais se somam as descobertas de uma fiscalização na qual foram identificadas condições análogas à escravidão, como alojamentos superlotados e falta de higiene. A situação precária levou ao resgate e imediata fiscalização das condições de trabalho.
Após a operação, a obra foi parcialmente interditada. Os trabalhadores resgatados foram realocados em hotéis temporariamente, e a emissão de novos vistos de trabalho vinculados ao projeto foi suspensa.
A montadora tem tentado se distanciar das acusações, fazendo declarações públicas sobre sua intenção de garantir direitos trabalhistas. No entanto, as críticas persistem, sendo a infraestrutura insatisfatória e o tratamento dos trabalhadores objeto de debate contínuo.
Dois lados da mesma moeda
Enquanto os movimentos sociais reforçam as queixas sobre as condições de trabalho, o sindicato local afirma que as manifestações são de natureza política e não ligadas a uma entidade sindical. Um ano após o resgate dos trabalhadores, a situação na montadora ainda contrasta com sua imagem como símbolo da nova indústria verde no Brasil.
Os desdobramentos legais e administrativos podem resultar em sanções severas para a empresa, que, enquanto isso, continua recebendo investimentos e se apresenta como uma vitrine do projeto de reindustrialização e transição energética do país.





