Zé Ibarra na estreia carioca do show ‘Afim’ no Teatro Riachuelo
Reprodução / Vídeo Instagram Zé Ibarra
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Afim
Artista: Zé Ibarra
Data e local: 6 de agosto de 2025 no Teatro Riachuelo (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ Esse moço está diferente. Quando Zé Ibarra apareceu no palco do Teatro Riachuelo, dançando descolado conforme o suingue da música Segredo (Sophia Chablau, 2023), ficou evidente que o artista carioca conseguiria transpor para a cena a metamorfose orquestrada no segundo álbum solo, Afim.
No disco lançado em 5 de junho, Zé Ibarra subverteu expectativas ao se dissociar da MPB e ao reforçar laços com a própria geração. No show Afim, apresentado no Rio de Janeiro (RJ) na noite de quarta-feira, 6 de agosto, quase três semanas após a estreia em São Paulo (SP) em 18 de julho, o cantor se confirma como um dos maiores artistas brasileiros dos correntes anos 2020.
Alicerçado por big band, grandiosa tanto na formação quanto no balanço situado entre o indie-rock e o som black Rio, o cantor fez show perfeito. Músicos, arranjos, interpretações e roteiro se afinaram de forma absoluta. Até o figurino do cantor resultou afim com a refinada estética contemporânea do show, com direito a um corte de cabelo evocativo dos penteados dos anos 1980.
Esqueça aquele Zé Ibarra que, ao abrir a derradeira turnê de Milton Nascimento, hipnotizava plateias de meia idade com um banquinho, um violão e um canto repleto de alma. A alma continua lá. A voz aguda, que transita por diversas tessituras vocais, também permanece intacta, expressiva. Só que o jogo de cena no show Afim é outro.
Zé Ibarra continua um sedutor e também usa a sensualidade andrógina para encantar plateias, mas agora em diálogo com o tempo, o som e o universo particular do artista. Sintomaticamente, a surpresa do roteiro foi Lobo bobo (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, 1959), samba de bossa envenenada pela banda e pelo cantor.
No show Afim, o lobo Zé deu sucessivos botes e jantou o público, seja cantando a contemporânea Sophia Chablau (Hexagrama 28 e Hello, este um samba meio bossa meio canção, de 2018), seja pisando no terreno experimental de Maria Beraldo (Da menor importância, música de 2018) com a percussão do convidado Rodrigo Pacato, seja dando voz à melancolia do antecessor Paulo Diniz (1940 – 2022) através da canção Vou-me embora (1972), já gravada pela cantor no primeiro álbum solo, Marques, 256. (2023).
Em cada um desses números, Zé Ibarra exercitou no show Afim a paixão pela música sem se portar em cena como o cantor queridinho dos órfãos da MPB. Tanto que transpôs em cena as músicas do álbum anterior Marquês, 256., como Olho d’água (Caetano Veloso e Waly Salomão, 1992), para a sonoridade encorpada do show Afim.
Fora da própria discografia, o lobo Zé deu outro bote ao abordar a canção norte-americana Someone to watch over me (George Gershwin e Ira Gershwin, 1926) no clima etéreo do sopro do trombone de Antonio Neves.
Sim, havia aura hype no palco e na plateia do Teatro Riachuelo. Contudo, Zé Ibarra pairou acima desse hype, fazendo com que a beleza de músicas como Dó a dó (Dora Morelenbaum e Tom Veloso, 2020) se sobrepusesse em cena.
E o fato é que Zé Ibarra jantou o público do início ao fim do show Afim enquanto servia som quente, com músicas bem arranjadas, em prova da sintonia do cantor e violonista com a banda formada pelos músicos Antonio Neves (trombone e trompete), Chico Lira (teclados), Frederico Heliodoro (baixo), João Cravinhos (violão), João Oliveira (guitarra), Thomas Harres (bateria) e Tunico (saxofone).
A esse azeitado septeto, foi adicionado ao fim o trio Copacabana Horns – Diogo Gomes (trompete), Jorge Continentino (saxofone e flauta) e Marlon Sette (trombone) – na apresentação de músicas como Morena (Tom Veloso, 2025). O groove comandou o baile quando o dono do show cantou O infinito em nós (Zé Ibarra, 2025) no arremate da apresentação antes do bis.
No bis, feito sem concessões aos pedidos do público, Zé subverteu expectativas – mais uma vez – e convidou Lucas Nunes para esculpir Retrato de Maria Lúcia (Ítallo França, 2023) em dueto que beirou o sublime com o contracanto de Lucas (também ao violão) nessa canção melodiosa que nem se afina tanto com a estética de Afim, mas que se impôs pela beleza tanto no disco quanto no show.
Na sequência, Zé Ibarra apresentou música inédita de lavra própria, O último voo, antes de encerrar de fato o show com Essa confusão (2024), parceria do artista com Dora Morelenbaum que já se insinua como um clássico do repertório da música brasileira produzida nos correntes anos 2020, tempo de Zé Ibarra, esse lobo nada bobo que jantou a plateia e ainda lambeu os beiços ao fim do consagrador show Afim.
Zé Ibarra canta ‘Lobo bobo’ (1959), standard da bossa nova, no show ‘Afim’, estreado em São Paulo em 18 de julho e apresentado no Rio de Janeiro (RJ) em 6 de agosto
Pyetra Salles / Divulgação